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segunda-feira, 29 de abril de 2013

CONEXÕES POSSÍVEIS: A POLPA DA NOZ


TEXTO ESCRITO POR CARLINHOS SANTOS NO IDANÇA.NET, PUBLICADO EM 09 DE ABRIL DE 2013. http://idanca.net/conexoes-possiveis-a-polpa-da-noz/

CONEXÕES POSSÍVEIS: A POLPA DA NOZ

A produção de pensamento acadêmico em sintonia com a criação artística e em diálogo com o ambiente urbano são traços que caracterizam e potencializam um projeto desenvolvido em Uberlândia. O resultado dele é múltiplo, em livro, em espetáculo artístico e, claro, na determinação de seguir pesquisando.
Livro Ana Carolina (1)Dramaturgia do Corpo-Espaço e Territorialidade – Uma Experiência de Pesquisa em Dança Contemporânea foi lançado no fim de 2012.  Reúne oito artigos acadêmicos que tratam de questões em torno de temas derivados dos eixos teóricos e práticos dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Dramaturgia do Corpo-Espaço e Territorialidade, que  visa pesquisar a composição em tempo real na dança contemporânea, tendo como foco corpo-espaço.
O mote da pesquisa dos artistas e estudantes uberlandenses é a busca de identificação tanto o corpo como (não) território de si mesmo, quanto o corpo como vir a ser território mesmo, nas relações que mantém com os lugares, as regiões, as fronteiras do humano. O corpo como espaço em si, no diálogo com o outro, de um lado, e também, de outro lado, o corpo social e cultural. Antes desse livro, o grupo publicou o Anexo: cadernos de criação e pesquisa, volume 1, compartilhando os cadernos de anotações dos pesquisadores participantes.
O grupo surgiu no segundo semestre de 2010, vinculado ao Curso de Dança da Universidade Federal de Uberlândia, em uma proposta multidisciplinar envolvendo estudantes professores e técnicos de distintas áreas do conhecimento: dança, teatro, música, física mecânica e arquitetura. O grupo gerou o Conectivo Nozes, reunindo um coletivo de artistas, que estreou, em 2011, o espetáculo Sobre Pontos, retas e planos. Polpa saborosa revelada depois de se quebrar a dura casca da acomodação artística, o trabalho instiga, desarruma ideias coreográficas pré-concebidas, reorganizando jeitos de estar corporalmente em cena.
Coordenado pela bailarina, coreógrafa e produtora Ana Carolina da Rocha Mundim tem ainda no grupo os professores, Silvia  Martins, da Física Mecânica, e Cesar Traldi, da Música, Patrícia Chavarelli Vilela da Silva, do Curso de Dança e os estudantes, Diego Pereira Nobre,  Isabela Giorgiana, Gabriela Paes dos Santos, Letícia Crozara, Mariane Araujo Vieira, Paula Poltronieri, e Vanessa Garcia dos Santos. O cenógrafo é Emiliano Alves de Freitas Nogueira, Lucio Sequoia, percussionista, e Natalia Oliveira, que trabalha com arte e tecnologia.

 Confira a seguir três perguntas à coordenadora do projeto e do Curso de Dança da Universidade Federal de Uberlândia, Ana Mundim:
 Depois do primeiro livro, tem outras  publicações programadas?
Na verdade, a primeira publicação foi o Anexo: cadernos de criação e pesquisa – vol 1, em que constam os cadernos de anotação com descrições, pensamentos, ideias, desenhos, poemas, dos integrantes sobre o processo de trabalho. O segundo volume deste caderno está programado para ser publicado ainda este semestre. No fim desse ano será publicado o livro Danças brasileiras contemporâneas: um caleidoscópio, oriundo de minha tese de Doutorado. Também estou começando a organizar um livro sobre improvisação em dança, a partir de experiências de Jam Session que tivemos e do projeto Temporal, que em sua primeira versão ocorrida em dezembro de 2012, se configurou como evento sobre improvisação em dança e composição em tempo real, que incluía comunicações teórico-práticas.
Como o Conectivo Nozes tem se mantido na pesquisa, o espetáculo segue?
O espetáculo segue. Atualmente temos três iniciações científicas e 1 mestrado vinculados ao grupo. Uma iniciação fala sobre processo e criação coletiva, a outra fala sobre processo de composição e a outra estuda procedimentos de Física Mecânica que identificamos nas frases de movimento que estudamos para preparação corporal. Como o mestrado é realizado pelo cenógrafo que criou o lugar do espetáculo, sua proposta é verificar como os diferentes espaços onde apresentamos podem modificar o lugar construído e a interação dos intérprete-criadores com este lugar. Além disso, temos experimentado modificações no tamanho do lugar, com recursos como barbantes, fitas crepe, assimetrias. A pesquisa do Conectivo se mantém no coletivo com um encontro semanal. Além disso, há as pesquisas individuais atreladas e as leituras que fazemos semanalmente para as discussões no encontro posterior. Temos dois projetos com perspectiva de continuidade: um temporal , com encontros de dança contemporânea e composição em tempo real e outro chamado  Proposições Poéticas em Tempo Real. Esse ano lançaremos um documentário que contextualiza o Conectivo Nozes, braço de extensão do grupo de pesquisa, que explica os procedimentos de pesquisa que organizamos até o presente momento, os quais chamamos de “movíveis”, composto por estruturas de movimento (círculos, espirais, alavancas, pontos, retas), recursos de jogo (equivalência, coincidência, bloqueio, ênfase, pergunta no ouvido) e comandos. Além disso, ele mostra como foi a primeira edição do projeto Proposições Poéticas em Tempo real, que ocorreu em Belo Horizonte, no C.A.S.A., com apoio da Cia Suspensa. O trabalho reuniu o Conectivo e  Cia Suspensa, Tuca Pinheiro, Marise Dinis, Fabio Dornas e Gabriela Christófaro.
Como é esta experiência de produzir pensamento e pesquisa na universidade, montar grupo e espetáculo, aproximando academia e a rua, a cidade?
Entendo que é um privilégio ter a universidade e um investimento público na produção de pesquisas na área de dança pois isso colabora para a continuidade de ações e o aprofundamento de pensamentos em movimento e de conceitos teórico-práticos. No entanto, a docência para mim vem como consequência de um trabalho artístico. Como artista e docente compreendo que a formação universitária passa pela articulação com a comunidade e com o fazer artístico. Estudamos e pesquisamos para produzirmos artisticamente, pois a dança é o que nos move. Sempre estranho quando ainda ouço falas como: “na universidade se pensa sobre dança e fora dela se faz dança.” Entendo que fazemos e pensamos dança dentro e fora da universidade, mas são modos distintos de se organizar a produção artística. Talvez a universidade, pelos investimentos públicos contínuos, oportunize mais a publicação das sistematizações de métodos e pensamentos/ações de trabalho. Mas isso é uma consequência de um trabalho prático constante. E também não há apenas um modo de se produzir dança na universidade, pois os cursos tem currículos perspectivas muito distintos.  Por fim, trocar experiências, ideias e pensamentos/práticas com outros pesquisadores, artistas e com a comunidade enriquece a nossa pesquisa, pois amplia o nosso olhar sobre os estudos, nos provoca reflexões, nos traz questionamentos e nos desperta para possibilidades de desdobramento. Além disso, como todo artista, produzimos dança para estar em contato com um público, então esta prática é inerente ao nosso trabalho. Por fim, compartilhar nossas ações com a comunidade também significa dar um retorno à sociedade sobre os trabalhos que temos desenvolvido com verba pública. Nesse ano também estamos organizando uma equipe de produção agora para pensarmos em circulação nacional.

CASCAS CONEXAS: CORPO-DANÇA-AMBIENTE

Texto escrito por Carlinhos Santos no idança.net, Publicado em 09 de abril de 2013. http://idanca.net/cascas-conexas-corpo-danca-ambiente/

CASCAS CONEXAS: CORPO-DANÇA-AMBIENTE

e começo aqui e meço aqui
este começo
e recomeço e remeço
e arremesso
Haroldo de Campos
Havia intenção ou foi decorrência o andar ereto da espécie humana, há milhões de anos? Para onde, então, a humanidade começou se mover? O corpo em movimento, o corpo e o espaço circunstanciados, circunstâncias e instâncias fenomenológicas. É dessas nuances que fala este artigo, buscando conexões entre corpo, ambientes e espaços. O vetor das reflexões é o Conectivo Nozes, de Uberlândia.
Nos últimos tempos, a dança contemporânea tem contribuído substancialmente para a elaboração de novos pensamentos em torno da ação humana no mundo. É da ordem da contemporaneidade o cruzamento de informações, conceitos e discursos, no sentido da elaboração de novos aportes sobre experiências do corpo que dança e da construção de novas epistemologias nele e a partir dele. Nesse sentido, a memória de uma determinada experiência pode ativar novas elaborações, replicando outros sentidos e potencializando outras construções.
Neste contexto, é significativa a proposta do coletivo uberlandense, cuja pesquisa busca, com procedimentos auxiliados por diferentes áreas do conhecimento, elaborar e experimentar a dança contemporânea em tempo real. É, portanto, por meio da dança que eles aproximam conceitos e práticas que contextualizam questões fundamentais em torno do corpo, do movimento e da forma de produção de conhecimento protagonizada por seus intérpretes.
Entender o processo de criação, o contexto de cada criador ou coletivo, as referências que o mobilizam, as possibilidades e tentativas que se vêm fazendo no decorrer da produção de um tipo de pensamento artístico, suas aproximações, aportes e inferências, é um caminho produtivo para compreensão da possível construção de uma epistemologia em torno do corpo e da dança, com suas repercussões na produção de arte e informação. O mesmo pode ser pensado no sentido de um potencial para a educação e a mobilização cultural de um determinado ambiente social e artístico. É o que se vislumbra nessa aproximação de pesquisadores e intérpretes da Dança, da Física Mecânica e da Arquitetura.
O que se descobre na proposta é um entrecruzamento de diálogos que promove a aproximação de um mosaico de informações gestadas pela contemporaneidade, que favorecem a elaboração de novas percepções. E o corpo da dança, as mediações que promove com o mundo, tecendo redes de criações e aproximando conceitos, é o dado instigante e mobilizador dessa experiência.
Podemos olhar para os experimentos e os procedimentos do grupo valendo-nos do conceito de redes de criação elaborado por Cecília Almeida Salles. Nesse sentido,
[...] muitas questões de extrema importância para se discutir a arte em geral e aquela produzida nas últimas décadas, de modo especial, necessitam de um olhar que seja capaz de abarcar o movimento, dado que leituras de objetos estáticos não se mostram satisfatórios ou eficientes  (SALLES, 2008, p. 52).
Nas relações construídas a partir do aqui e agora, na interação com os espaços que ocupam e no diálogo com estes ambientes, os procedimentos do Conectivo também podem ser pensados sob o prisma das investigações contemporâneas em torno do conceito de corpomídia, de Helena Katz e Christine Greiner. Na ótica das pesquisadoras
o corpo não é (mais) um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em cruzamento, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não com a ideia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo (GREINER; KATZ, 2005, p. 131).
A ação corpórea circunstanciada pelos procedimentos físico-conceituais do grupo, suas ações repetidas e reordenadas a partir da instauração de variáveis, sorteadas e executadas em tempo real, transformam corpo e ambiente. Ou, ainda, fazem do corpo humano o suporte para experimentar, ao mesmo tempo, impossibilidade, permanência e impermanência. Eles são, sob a ótica de Merleau-Ponty (2009), a ação e o resultado transformado.
Partindo de Edmund Husserll, com base no pensamento fenomenológico, Merleau-Ponty dissemina a proposta do corpo como estrutura física e vivida ao mesmo tempo. Isto significa um reconhecimento importante no fluxo de informação entre o interior e o exterior, entre informações biológicas e fenomenológicas, compreendendo que não se tratam de aspectos opostos. Inaugura-se a compreensão da corporeidade do conhecimento, da cognição e da experiência vivida.
Na Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty afirma que o corpo humano assemelha-se a uma obra de arte. O corpo, como um objeto artístico, é um ponto de vista sobre o mundo. Diz o autor “o contorno do meu corpo é uma fronteira que as relações de espaço ordinárias não transpõem” (2006, p. 143). E mais
a fusão entre a alma e o corpo no ato, a sublimação da existência biológica em existência pessoal, do mundo natural e mundo cultural, é tornada ao mesmo tempo possível e precária pela estrutura temporal de nossa experiência (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 125).
O corpo não é mais objeto, mas unidade:
se eu tento pensá-lo (o corpo próprio) como um conjunto de processos em terceira pessoa – “visão”, “motricidade”, “sexualidade” – percebo que essas “funções” não podem estar ligadas entre si e ao mundo exterior por relações de causalidade, todas elas estão confusamente retomadas e implicadas em um drama único (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 125)
Merleau-Ponty reconhece que estamos em um mundo que, ao mesmo tempo em que parece nos anteceder e ter existência independente, é inseparável de nós, e neste espaço, nesta abertura entre o eu e o mundo, entre o interno e o externo, inaugura um pensamento que percorre o entre-dois. Estrutura física é estrutura vivida ao mesmo tempo.
Para o filósofo francês o corpo é abertura ao mundo e um centro de ação. E como o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece, é a partir desta inserção que a percepção será entendida. Eis as cascas envolvendo três questões que aqui se imbricam: corpo-dança-ambiente – e, no caso da ação performática do Conectivo Nozes, as variáveis possíveis ad infinitum: ambiente-dança-corpo, dança-corpo-ambiente, corpo-ambiente-dança etc., e mais…
Aproximando as proposições do corpo-próprio merleau-pontyniano ao conceito de corpomídia, busca-se a perspectiva da corporeidade do conhecimento, da cognição e da experiência vivida. Assim, a noção de corporeidade ganha duplo sentido, designando, ao mesmo tempo, estrutura vivida e contexto ou lugar de mecanismos cognitivos. O corpo é o espaço, a cidade é o corpo, a dança é corpo e cidade. A questão aqui é entender a dança como uma ação física humana que ora pode se apresentar na forma de um espetáculo, ora como produto do estar no mundo, de um transitar carregado de significâncias.
No entanto, é possível problematizar ainda mais a questão: quando a dança se organiza na forma de um espetáculo, pede um pensamento que, na materialidade do que está sendo dançado, reconheça a coleção de informações que compõe aquela dança. Também é fundamental atentar que
o que está fora adentra e as noções de dentro e fora deixam de designar espaços não conectos para identificar situações geográficas propícias ao intercâmbio de informação. As informações do meio se instalam no corpo; o corpo, alterado por elas, continua a se relacionar com o meio, mas agora de outra maneira, o que leva a propor novas formas de troca. Meio e corpo se ajustam permanentemente, num fluxo inestancável de transformações e mudanças (KATZ; GREINER, p. 2005, p. 126).
Meio e corpo acionando m metáforas. Pois quando se deixa de tratar a dança como algo que expressa uma essência, uma narrativa horizontal, com os pressupostos da notação sequencial de começo, meio, fim, instaura-se a possibilidade de construir novas leituras e novos discursos. Meio e corpo contemplam trocas constantes, em espaços diversos: a sala de ensaio e de aula, o palco e a escola, a rua e a cidade. Aprende-se e estuda-se na transversalidade, no fluxo-troca, na transversalidade, no compartilhamento de experiências, como se propõe o Conectivo Nozes. Emerge-se, também a ideia de indisciplina do corpo, já que, o conceito que pauta a existência das disciplinas está hoje, “opaco no seu miolo e puído nas suas beiradas” (BAUMAN, 1999 apud KATZ; GREINER, 2005, p. 2).
Para tratar do corpo, não basta o esforço de colar conhecimentos buscados em disciplinas aqui e ali. Nem trans nem interdisciplinaridade se mostram estratégias competentes para a tarefa. Por isso, a proposta de abolição da moldura da disciplina em favor da indisciplina que caracteriza o corpo (KATZ, 2005 apud KATZ; GREINER, 2005, p. 2).
O ambiente é de rede trocas, por meio do qual é forjada também a existência de coleções de informações que precisam ser identificadas e contextualizadas para que se possa refletir sobre elas. São os constantes começos, recomeços e arremessos do instante sorteado, do aleatório como ação potencializada no aqui/agora, no moto-contínuo do fluxo de procedimentos do grupo.
Vale aqui também lembrar o que a crítica de dança Helena Katz escreveu em sua tese de doutorado a respeito do sujeito dos nossos tempos – como os que compõem este conectivo de ideias, pensamentos, ações. Katz situa o novo universo de produção ou ressignificação de informações “como um fluxo de interações e não de essências eternas”. Assim, no trânsito entre a precisão e a imprecisão de novos conceitos, “o observador desapaixonado da ciência clássica foi substituído pelo conhecedor-participante” (KATZ, 2005, p. 35).
A confluência ou a fusão das experiências sensório-motoras e das experiências subjetivas semeiam metáforas, à luz do pensamento dos teóricos Lakoff e Johnson, que dizem “seu corpo não é e não poderia ser um recipiente para uma mente descarnada, sendo uma metáfora a figura de transporte, nascida da experiência emboided (materializada)” (LAKOF; JOHNSON, 2002, p. 561). Este sistema permite evidenciar que o corpo pensa.
Assim, abre-se a perspectiva da metáfora da carne, conforme descreve a pesquisadora Lenira Rengel (2007) no artigo “Metáfora é Carne”. Etimologicamente, met ou meta, antepositivo grego, expressa as ideias de comunidade, participação, mistura ou intermediação, sucessão (no tempo e no espaço), no meio, entre, mudança de lugar ou condição, interposição, transporte. Phora, pospositivo, também grego, significa ação de levar, carregar. O procedimento metafórico faz um transporte, uma intermediação entre domínios: os sensório-motores = perceber, sentir, transpirar, mover, tocar, pegar etc., e os domínios das experiências subjetivas = julgamentos morais, juízos de valor, relações de afetos, inferências etc. O que é procedimento metafórico, portanto, é este transporte permanente que ocorre com o corpo. Não se trata de ocorrer primeiro no físico e depois no mental. O corpo sente/infere/pensa/sabe. Ler o corpo é, portanto, reconstruí-lo, recomeçar, rever.
O corpo faz diferentes mapeamentos de seus percursos e é neles e a partir deles que se pode construir uma ontologia. Trata-se, inclusive, da mediação entre corpo e ambiente, entre o interior do corpo vivo e o exterior. Esses percursos anunciam uma significativa potência dos procedimentos teórico-práticos do Conectivo Nozes.
Em A partilha do sensível: estética e política, o filósofo francês Jacques Rancière faz uma aproximação entre os conceitos de política e estética, permeados pelo mundo sensível: “a política ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis do tempo” (RANCIÈRE, 2005, p. 17).
Nessa perspectiva, o fazer artístico do conectivo de intérpretes-pesquisadores uberlandenses ecoa no fazer político, proporcionando a visibilidade das artes: “as práticas artísticas são ‘maneiras de fazer’ que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com as maneiras de ser e formas de visibilidade”. (RANCIÈRE, 2005, p. 17).
A aproximação de linguagens e áreas de saberes contribui para o caráter contemporâneo da experiência ainda em construção. Nesse sentido, anunciam um núcleo de produção de conhecimento gestado com solidez e com uma das mais importantes características da ciência: a vontade de perguntar e, em busca das respostas, construir novos percursos de aprendizado e informação. Trata-se, portanto, de corpos em recorrentes recomeços e arremessos.

Referências
CAMPOS, Haroldo de. Galáxias. São Paulo: Editora 34, 2010.
KATZ, Helena. Um Dois Três: a dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: FID Editorial, 2005.
KATZ, Helena; GREINER, Christine. Por uma teoria do corpomídia. In: GREINER, Christine (Org.). O corpo. Pistas para estudos indisciplinares. São Paulo, Annablume, 2005.
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: Mercado de Letras, 2002.
MERLEAU-PONTY. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009.
_____. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Exo Experimental Org./Editora 34, 2005.
RENGEL, Lenira. Metáfora é carne. In: NORA, Sigrid (Org.). Húmus 1. Caxias do Sul: Lorigraf, 2007.
SALLES, Cecília de Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2008.

*Carlinhos Santos é Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul, especialista em Corpo e Cultura – Ensino e Criação, historiador, jornalista, crítico de arte e redator do idanca.net